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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Sonhos



Eles saltaram do bonde a vapor ainda em movimento e se dirigiram a uma grande porta de madeira que os levaria ao destino que eles preferiam evitar. Atrás da porta um estreito beco, do tipo nunca frequentado por homens de boa índole. O beco cheirava a urina, fezes e podridão. As bases das paredes, desgastadas pela ação prolongada do ácido úrico, faziam com que estas dançassem com o forte vento daquela noite, parecendo tão distantes da sobriedade quanto aqueles que as desgastavam constantemente. Com passos firmes entre aqueles que não mais conseguiam firmar as pernas, passavam duas sombras.
— Sinto pena dessas pessoas, sabia?
— Eu não. Eu sinto asco! E aqui não é um bom lugar pra conversar.
— Às vezes acho que nenhum lugar mais é.
A dupla de detetives passou pelo beco sem outras palavras, exceto as que os sentidos teimavam em tentar trazer ao consciente e a hipocrisia escondia sob o tapete, com as desculpas de "não há mais salvação" e "eles escolheram o próprio caminho".
— Chegamos.
Ao fundo um globo de luz brilhava, vermelho. O fluorescente líquido interno não o preenchia completamente, sinal de que houvera (e talvez ainda houvesse) algum vazamento. Os dois seguranças embaixo do globo, guardando a porta, não aparentavam medo da morte horrível que todos sabiam que um vazamento causaria a qualquer humano, sinal de que o problema já era passado. Ou que a longevidade não era uma preocupação típica daquele tipo de pessoa. Nenhum dos detetives saberia o exato motivo, um por experiência demais, o outro por experiência de menos. Foi um daqueles seguranças que barrou os detetives:
— Perdidos, senhores?
O sotaque causou estranhamento ao detetive mais jovem. Ele falava como um russo, mas suas feições não demonstravam tal origem. Era, talvez, egípcio, ou indiano. Estrangeiros de pele escura realmente não eram sua especialidade. A ciência dizia que eram inferiores e ele não encontrava motivo para discordar. O outro detetive tomou a frente e a palavra.
— Garanto que não nos perdemos, senhores. Na verdade procuramos por diversão, e acredito que acabamos de encontrá-la.
— E o que te dá essa certeza?
— Ora, nós não chegaríamos até esta porta sem detalhadas instruções de um confiável amigo. Um amigo que nos disse que haveria aqui um grande cientista, dado como desaparecido, e seu sábio patrono, um homem de visão, um homem que nos venderá grandes e belos sonhos, pela quantia certa.
Os seguranças se entreolharam.
— E seu amigo te disse a senha?
— Sandman.
Novamente os seguranças se entreolharam, e o que estava próximo à porta tirou uma chave do bolso. A porta foi aberta. Agora não havia mais volta.
Os detetives entraram e, ainda que a noite estivesse escura la fora, os olhos demoraram a se acostumar à nova realidade. O salão era completamente iluminado por luz negra, com um palco no meio do salão e diversas mesas ao redor, todas ocupadas. No palco uma dançarina seminua se exibia ao som do sax, num melancólico teatro de lentos movimentos.
Quando conseguiram ver melhor o lugar foram para o bar, à direita do palco. O bartender parecia hipnotizado pela mulher no palco, e demorou a atendê-los. Ao menos ofereceu-lhes um sorriso falso.
— O que desejam?
— Sonhos.
O sorriso morreu.
— Procurem em seus travesseiros.
— São desconfortáveis.
O sorriso voltou.
— E por quê eu lhes daria?
— Porque podemos pagar.
O jovem detetive se espantou com a resposta. Aparentemente as senhas haviam acabado, e aquela última pergunta era uma dúvida legítima. O contato do outro detetive devia ser muito bom para passar tantas informações, e sua memória ainda melhor, para responder tudo com tamanha naturalidade.
Após esta resposta, o bartender os levou por outra porta, escondida atrás de uma cortina, ao lado do bar. Desceram uma escadaria até uma sala minimalista, de paredes azul marinho com 4 poltronas pretas confortáveis dispostas em círculo, cada uma de frente para as outras, como um convite a uma reunião de amigos. O próprio bartender se sentou em uma, e fez sinal para que os detetives se sentassem nas outras. Se sentaram um de cada lado do bartender, que falou:
— Estes sonhos são poderosos. Por isso o primeiro uso acontece aqui, onde podemos garantir sua segurança.
Quando o detetive mais jovem pensou em protestar, o outro falou.
— De acordo.
O jovem empalideceu. Não lhe informaram que precisaria fazer algo assim. Na verdade, ficara tão ansioso por trabalhar com um detetive renomado que quase nada se informou.
O bartender pegou um pequeno frasco, com um pó amarelado.
— Bem, esta é a areia dos sonhos. — Ele a ofereceu ao detetive mais jovem, que sequer sabia como a utilizar. — Você parece perdido, rapaz. Deixe-me mostrar como funciona.
O bartender então pegou sua cabeça com uma força que não parecia ter, deitou-a para trás e despejou alguns grãos do pó sobre os olhos do detetive. O ardor foi insuportável, porém rápido. O alívio, imediato. O mundo começou a dançar à sua volta, como se estivesse na segunda garrafa de conhaque. E então vieram os sonhos. Ele olhava para as paredes e elas não existiam. Ele podia ver os esgotos ao redor da sala, grandes salões sob a terra, com ratos e outros animais se movendo pelos espaços fechados. Ao olhar para cima viu a garota terminando sua apresentação. Ele a preferia nua, e era como ela se apresentava. Então a visão voltou ao normal. O bartender e o outro detetive o observavam com curiosidade, e foi este último que perguntou:
— Já voltou?
Ainda sentindo-se embriagado, ele respondeu:
— A visão sim. Mas o mundo ainda gira.
— Quer mais um pouco? — era o bartender — A dose que você experimentou era muito pequena.
Ele pensou em dizer não. Ele até mesmo tentou.
— Sim.
O jovem detetive não estava bem o suficiente para acompanhar as trocas de olhares entre os outros dois, mas ainda assim a conversa soou estranha.
— Você piorou os efeitos colaterais e diminuiu o tempo do sonho.
— Ao menos a fórmula está mais barata.
— E novamente vai para as ruas.
— Vai dar lucro.
— Não é esse lucro que eu procuro.
— Não se preocupe. O cientista vai encontrar a fórmula certa pra te tornar um super detetive. Só não sei por quê essa sua vontade. Dinheiro não é poder suficiente pra você?
— O que eu quero o dinheiro não compra.
— E o que a gente faz com ele?
— O mesmo dos outros. Uma overdose de mnemofluor. Depois disso ele nem vai mais conseguir organizar os pensamentos.
...
Para ele, não há mais salvação.

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